Um autor é sua obra ou uma obra é seu autor?
Publicado no Livrevista em 25/02/2014, na seção ETC.
Polêmica envolvendo suposto abuso sexual cometido por Woody Allen divide opiniões sobre vida e obra do cineasta
Nathalia Rocha
A crítica se divide em uma relação de amor e ódio. Há quem enxergue no autor certo pedantismo, alguém que se mostra ciente da própria genialidade. Sua coleção de obras, quatro das quais lhe renderam Oscars, porém, o colocam como um dos queridinhos dentre os amantes da sétima arte. O autor que ainda hoje preserva sua máquina de escrever e se mantém afastado das críticas, das mídias e mesmo das premiações nas quais é indicado. Mesmo fora dos holofotes, a vida profissional e pessoal do autor sempre rendeu comentários.
A recente polêmica envolvendo suposto abuso sexual com a filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow, é a prova disso. O caso começou com publicação de carta de Dylan Farrow no blog do “The New York Times”, em que a filha de Mia acusa o Allen de tê-la molestado quando tinha sete anos. Além da repercussão do ocorrido, que levantou discussões acerca da veracidade do caso, a acusação traz como apoio outros aspectos da vida amorosa do cineasta que já lhe renderam críticas no passado.
O caso em si é, por ora, insolúvel e facilmente resumível: após a publicação da carta, Woody Allen negou, como já havia feito da primeira vez em que fora acusado pela ex-mulher, em 1993, que tivesse tido qualquer tipo de relação sexual com a filha adotiva de Mia. Os defensores do cineasta levantaram argumentos a seu favor: a menina poderia ter sido influenciada pela mãe, que não mantém um bom relacionamento com Allen, cuja atual esposa é a outra filha adotiva de Farrow, Soon Yin. Além disso, outra argumentação dos defensores é que, à época da primeira acusação, exames médicos comprovaram que a Dylan não apresentava sinais de ter sido abusada.
O fato de a acusação ter sido retomada após a indicação da mais recente obra do autor, Blue Jasmine, também levantou suspeitas. Por outro lado, aqueles que se colocaram a favor da família Farrow alegaram que a vida amorosa do autor, bem como alguns de seus filmes, denunciam sua misoginia e um suposto desvio de comportamento. Além do polêmico relacionamento com a filha adotiva de sua ex-namorada, Allen já fora casado duas vezes, e já manteve relacionamento com várias atrizes, até se firmar com Mia Farrow e, depois, com Soon Yin.
Segundo Michel Simões, autor do blog Toca do Cinéfilo, embora faça sentido que a obra de Woody seja relacionada ao caso, como em Manhattan, em que o protagonista, interpretado por Allen, se apaixona por uma garota de 17 anos, trata-se de um caso complexo, que envolve, ao menos, duas versões sobre um fato. Simões afirma, ainda, ser possível desvincular a carreira profissional de aspectos pessoais da vida de um autor.
“Prefiro acompanhar a carreira e desconsiderar a figura pessoal, deixar isso para os que vivem a sua volta, e as autoridades. Mas, com o mundo online, tudo conectado, essa curiosidade pelas celebridades quase que não permite que se possa dissociar totalmente a figura pessoal da profissional”, avaliou o cinéfilo.
Embora sejam apenas duas – pelo menos – versões da história, sobraram opiniões sobre o caso, desde comparações entre os enredos dos filmes e a vida pessoal do roteirista até alegações de que tudo não passaria de uma manobra de Mia para prejudicar Allen.
Deixando os artistas de lado…
Dentre as análises, merece destaque a matéria publicada no site de notícias Salon, em que a repórter Zoe Zolbrod avalia não o caso em si, mas os comentários sobre ele e, principalmente, aspectos que muitas vezes não são considerados não só no caso de Dylan, mas em ocorrências de abuso infantil como um todo.
Zoe aponta, por exemplo, que, embora alegações de abuso sexual sejam frequentemente usadas como armas em disputas pela custódia de crianças, o número de casos em que as alegações se provam verdadeiras varia entre 1% e 6%. A matéria indica que a restrição a apenas uma, ou menos duas visões acerca do fato acabam por gerar equívocos.
Seja como for, insolúvel ou não, o caso precisa ser melhor avaliado e, junto com ele, a questão sobre até que ponto a vida pessoal de um autor pode, e talvez deve, interferir na visão que o público tem sobre esse.
Publicado no Livrevista em 25/02/2014, na seção ETC.
Polêmica envolvendo suposto abuso sexual cometido por Woody Allen divide opiniões sobre vida e obra do cineasta
Nathalia Rocha
A crítica se divide em uma relação de amor e ódio. Há quem enxergue no autor certo pedantismo, alguém que se mostra ciente da própria genialidade. Sua coleção de obras, quatro das quais lhe renderam Oscars, porém, o colocam como um dos queridinhos dentre os amantes da sétima arte. O autor que ainda hoje preserva sua máquina de escrever e se mantém afastado das críticas, das mídias e mesmo das premiações nas quais é indicado. Mesmo fora dos holofotes, a vida profissional e pessoal do autor sempre rendeu comentários.
A recente polêmica envolvendo suposto abuso sexual com a filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow, é a prova disso. O caso começou com publicação de carta de Dylan Farrow no blog do “The New York Times”, em que a filha de Mia acusa o Allen de tê-la molestado quando tinha sete anos. Além da repercussão do ocorrido, que levantou discussões acerca da veracidade do caso, a acusação traz como apoio outros aspectos da vida amorosa do cineasta que já lhe renderam críticas no passado.
O caso em si é, por ora, insolúvel e facilmente resumível: após a publicação da carta, Woody Allen negou, como já havia feito da primeira vez em que fora acusado pela ex-mulher, em 1993, que tivesse tido qualquer tipo de relação sexual com a filha adotiva de Mia. Os defensores do cineasta levantaram argumentos a seu favor: a menina poderia ter sido influenciada pela mãe, que não mantém um bom relacionamento com Allen, cuja atual esposa é a outra filha adotiva de Farrow, Soon Yin. Além disso, outra argumentação dos defensores é que, à época da primeira acusação, exames médicos comprovaram que a Dylan não apresentava sinais de ter sido abusada.
O fato de a acusação ter sido retomada após a indicação da mais recente obra do autor, Blue Jasmine, também levantou suspeitas. Por outro lado, aqueles que se colocaram a favor da família Farrow alegaram que a vida amorosa do autor, bem como alguns de seus filmes, denunciam sua misoginia e um suposto desvio de comportamento. Além do polêmico relacionamento com a filha adotiva de sua ex-namorada, Allen já fora casado duas vezes, e já manteve relacionamento com várias atrizes, até se firmar com Mia Farrow e, depois, com Soon Yin.
Segundo Michel Simões, autor do blog Toca do Cinéfilo, embora faça sentido que a obra de Woody seja relacionada ao caso, como em Manhattan, em que o protagonista, interpretado por Allen, se apaixona por uma garota de 17 anos, trata-se de um caso complexo, que envolve, ao menos, duas versões sobre um fato. Simões afirma, ainda, ser possível desvincular a carreira profissional de aspectos pessoais da vida de um autor.
“Prefiro acompanhar a carreira e desconsiderar a figura pessoal, deixar isso para os que vivem a sua volta, e as autoridades. Mas, com o mundo online, tudo conectado, essa curiosidade pelas celebridades quase que não permite que se possa dissociar totalmente a figura pessoal da profissional”, avaliou o cinéfilo.
Embora sejam apenas duas – pelo menos – versões da história, sobraram opiniões sobre o caso, desde comparações entre os enredos dos filmes e a vida pessoal do roteirista até alegações de que tudo não passaria de uma manobra de Mia para prejudicar Allen.
Deixando os artistas de lado…
Dentre as análises, merece destaque a matéria publicada no site de notícias Salon, em que a repórter Zoe Zolbrod avalia não o caso em si, mas os comentários sobre ele e, principalmente, aspectos que muitas vezes não são considerados não só no caso de Dylan, mas em ocorrências de abuso infantil como um todo.
Zoe aponta, por exemplo, que, embora alegações de abuso sexual sejam frequentemente usadas como armas em disputas pela custódia de crianças, o número de casos em que as alegações se provam verdadeiras varia entre 1% e 6%. A matéria indica que a restrição a apenas uma, ou menos duas visões acerca do fato acabam por gerar equívocos.
Seja como for, insolúvel ou não, o caso precisa ser melhor avaliado e, junto com ele, a questão sobre até que ponto a vida pessoal de um autor pode, e talvez deve, interferir na visão que o público tem sobre esse.