Lixo ou sobrevivência?
Matéria para o suplemento Sujeito, produzido para as disciplinas Jornalismo Impresso II e Planejamento Grafico Editorial II
Coletores sentem-se desvalorizados por seu trabalho
"A faxineira parece pretender proteger-se: se não olha para ninguém,
evita olhares cegados, evita perceber que não é notada. Não vê que não a viram."
(Fernando Braga Costa, Homens Invisíveis)
Nathalia Rocha e Camila Pasin
Cerca de 200 toneladas de lixo por mês. Um índice de apenas 2,5% de reaproveita- mento por parte dos cidadãos. Quem cuida desse serviço? A pequena taxa de reciclagem é um dos indícios de que nem sempre se reconhece o trabalho dos responsáveis pela limpeza do município de Bauru. As empresas são conhecidas, o estado das ruas, sobretudo quando sujas, é avaliado pelos moradores. O que se deixa de lado são os profissionais que diariamente contribuem para o cuidado com a cidade. Uma greve dos catado- res, de apenas uma semana, e a cidade tropeçaria em lixo.
O cidadão bauruense, Henrique Nunes (30), reconhece a importância dos profissionais de limpeza, mas admite que nem sempre os mora- dores da cidade fazem sua parte. “Para ajudar, a respeito de sucata, é bom separar tudo, plástico com plástico, metal com metal. Mas, no dia-a-dia, a gente acaba esquecendo”, observa Henrique.
Eliude Alves (52) trabalha há quatro anos na Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), responsável pelo serviço de coleta de lixo na cidade. Ela dedica oito horas de seu dia varrendo a cidade e tem consciência da importância do serviço que presta. Procura, então, fazer sua par- te para cuidar da cidade, evitando jogar lixo na rua. Cuidado que, segundo ela, nem todos têm. “Eu acho que o povo é muito porco, joga lixo na cara da gente. As pessoas tinham que parar de jogar lixo na rua. É falta de respeito com a gente e com o meio ambiente também”, lamenta Eliude.
Ao coletor cabe percorrer diferentes localidades, despejando sacos de lixo em latões ou caminhões especiais, trabalho que demanda es- forço físico. Além disso, de- vem transportar entulhos de construções locais apropriados, e coletar lixo hospitalar, o que é muito arriscado. Mas há mais gente envolvi- da no processo. Coletores in- formais também contribuem para a limpeza da cidade, com um trabalho igualmente desgastante, mas sem a estabilidade proporcionada por um contrato de trabalho. “O horário de eu sair daqui é no máximo umas 20h. Então, antes de eu descer, levo o carrinho para baixo, pego a vassoura, pego um saco, deixo tudo limpinho. Se o lixeiro não levar, eu deixo o saco ali amarrado, daí por todo lugar que eu cato, vou mantendo limpeza”. Essa é a rotina de Maria Aparecida Angelo (53), que trabalha há seis anos como coletora de recicláveis no centro da cidade de Bauru. Maria também já trabalhou como empregada doméstica e descreve as dificuldades de sua ocupação atual, como a rivalidade entre os coletores e a instabilidade financeira. “Tem semana que tá bom, tem semana que tá fraco. Muitos passam e me humilham, me xingam por causa dos materiais, porque às vezes eles querem o material para eles e eu não quero ceder porque o lugar é meu. Encontro muitas dificuldades, eles judiam muito da gente, eles pisam na gente”, conta a coletora. Isabel Fernandes (57) divide seu tempo entre a coleta de recicláveis e o trabalho como doméstica e, assim como Maria, descreve o seu dia-a-dia: “Eu já tenho minhas lojas para pegar. Faço meu contrato com elas e renovo todo ano. Eu tiro mais do papelão do que se eu for trabalhar na casa dos outros.”. Ambas descrevem o desgaste físico e a humilhação que sofrem por parte dos morado- res mas, apesar de tudo, com bom-humor e muita certeza, afirmam que gostam do que fazem e não trocariam isso por nada. “Muita gente passa bonitinha aqui de salto alto e fala ‘Olha quanto lixo!’, eu viro e falo ‘Lixo não, minha filha, é reciclável’. Se achar ruim, achou. Eu estou tirando meu dinheiro com caráter, vergonha na cara”, finaliza, orgulhosa, a coletora Isabel.
Matéria para o suplemento Sujeito, produzido para as disciplinas Jornalismo Impresso II e Planejamento Grafico Editorial II
Coletores sentem-se desvalorizados por seu trabalho
"A faxineira parece pretender proteger-se: se não olha para ninguém,
evita olhares cegados, evita perceber que não é notada. Não vê que não a viram."
(Fernando Braga Costa, Homens Invisíveis)
Nathalia Rocha e Camila Pasin
Cerca de 200 toneladas de lixo por mês. Um índice de apenas 2,5% de reaproveita- mento por parte dos cidadãos. Quem cuida desse serviço? A pequena taxa de reciclagem é um dos indícios de que nem sempre se reconhece o trabalho dos responsáveis pela limpeza do município de Bauru. As empresas são conhecidas, o estado das ruas, sobretudo quando sujas, é avaliado pelos moradores. O que se deixa de lado são os profissionais que diariamente contribuem para o cuidado com a cidade. Uma greve dos catado- res, de apenas uma semana, e a cidade tropeçaria em lixo.
O cidadão bauruense, Henrique Nunes (30), reconhece a importância dos profissionais de limpeza, mas admite que nem sempre os mora- dores da cidade fazem sua parte. “Para ajudar, a respeito de sucata, é bom separar tudo, plástico com plástico, metal com metal. Mas, no dia-a-dia, a gente acaba esquecendo”, observa Henrique.
Eliude Alves (52) trabalha há quatro anos na Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), responsável pelo serviço de coleta de lixo na cidade. Ela dedica oito horas de seu dia varrendo a cidade e tem consciência da importância do serviço que presta. Procura, então, fazer sua par- te para cuidar da cidade, evitando jogar lixo na rua. Cuidado que, segundo ela, nem todos têm. “Eu acho que o povo é muito porco, joga lixo na cara da gente. As pessoas tinham que parar de jogar lixo na rua. É falta de respeito com a gente e com o meio ambiente também”, lamenta Eliude.
Ao coletor cabe percorrer diferentes localidades, despejando sacos de lixo em latões ou caminhões especiais, trabalho que demanda es- forço físico. Além disso, de- vem transportar entulhos de construções locais apropriados, e coletar lixo hospitalar, o que é muito arriscado. Mas há mais gente envolvi- da no processo. Coletores in- formais também contribuem para a limpeza da cidade, com um trabalho igualmente desgastante, mas sem a estabilidade proporcionada por um contrato de trabalho. “O horário de eu sair daqui é no máximo umas 20h. Então, antes de eu descer, levo o carrinho para baixo, pego a vassoura, pego um saco, deixo tudo limpinho. Se o lixeiro não levar, eu deixo o saco ali amarrado, daí por todo lugar que eu cato, vou mantendo limpeza”. Essa é a rotina de Maria Aparecida Angelo (53), que trabalha há seis anos como coletora de recicláveis no centro da cidade de Bauru. Maria também já trabalhou como empregada doméstica e descreve as dificuldades de sua ocupação atual, como a rivalidade entre os coletores e a instabilidade financeira. “Tem semana que tá bom, tem semana que tá fraco. Muitos passam e me humilham, me xingam por causa dos materiais, porque às vezes eles querem o material para eles e eu não quero ceder porque o lugar é meu. Encontro muitas dificuldades, eles judiam muito da gente, eles pisam na gente”, conta a coletora. Isabel Fernandes (57) divide seu tempo entre a coleta de recicláveis e o trabalho como doméstica e, assim como Maria, descreve o seu dia-a-dia: “Eu já tenho minhas lojas para pegar. Faço meu contrato com elas e renovo todo ano. Eu tiro mais do papelão do que se eu for trabalhar na casa dos outros.”. Ambas descrevem o desgaste físico e a humilhação que sofrem por parte dos morado- res mas, apesar de tudo, com bom-humor e muita certeza, afirmam que gostam do que fazem e não trocariam isso por nada. “Muita gente passa bonitinha aqui de salto alto e fala ‘Olha quanto lixo!’, eu viro e falo ‘Lixo não, minha filha, é reciclável’. Se achar ruim, achou. Eu estou tirando meu dinheiro com caráter, vergonha na cara”, finaliza, orgulhosa, a coletora Isabel.